Intelectuales y Académicos

Después de la Teoría

 

Autor: Eagleton, Jameson y Taylor.

Fecha: 3/11/2003

Traductor: Isabel Infanta, especial para P. I.

Fuente: Mais!, Folha de São Paulo


Depois da Teoria*
A Volta das "Grandes Narrativas" Históricas, que Terry Eagleton Aborda no Livro "After Theory"

Uma nova era nas artes, ciências e civilização? Ou apenas um blefe, um engodo já desmentido pela história? A polêmica em torno da existência ou não de uma "pós-modernidade" é tão antiga quanto esse conceito, que começou a se propagar em meados do século 20, e sobretudo dos anos 70 e 80 em diante, em protesto contra o que se via como a estagnação do modernismo na forma de um cânone filosófico, científico e estético fossilizado. Mas, se a disputa não é de hoje, o gongo de um novo round soou após o 11 de Setembro. A data que, para muitos, abriu o novo milênio, marcou também o fim, diz o renomado crítico marxista Terry Eagleton, de algo que não passava de um modismo: "Com a deflagração de uma nova narrativa global do capitalismo, a partir da deflagração da chamada guerra ao terror, é bem possível que o estilo de pensamento conhecido como pós-modernismo esteja chegando ao fim".

Isso, continua Eagleton no seu livro recém-lançado "After Theory" [Depois da Teoria, Allen Lane, 18,99 libras], porque a cruzada de Bush contra o "eixo do mal" ressuscitou, até pelos termos religiosos em que é concebida, o que os teóricos pós-modernos consideravam superado: em tempos de relativismo e de crise das utopias, voltam as verdades inquestionáveis e totais; em tempos de ultraliberalismo, o Leviatã estatal sai das águas; em tempos de perda do senso da historicidade, ressurge o jargão do "progresso".

O Mais! convidou intelectuais de diversas áreas a refletir sobre a validade ou não do conceito de pós-modernidade hoje. E o que se constata é que a tese de um "esgotamento" do pós-moderno está longe de ser consensual, porém ela aponta, e não necessariamente pelas razões que Eagleton defende, para fortes mudanças no que se considerava, havia pouco tempo, um fato tão "consumado", evidente e de contornos tão inquestionáveis quanto a globalização e o receituário econômico liberalizante do Consenso de Washington.

Certo "pós-pós-modernismo" é idéia bem recebida pelo historiador Nicolau Sevcenko (USP). Ele diz ser possível falar na emergência de um "novo autoritarismo", um novo arranjo de forças político-econômicas, que, na garupa dos falcões de Washington, leva à consolidação de "uma ordem conservadora de âmbito mundial" e à "aliança espúria entre a direita oportunista e a esquerda renegada".

Sevcenko conclui: "Essa concepção requentada e particularmente agressiva do velho darwinismo social da era vitoriana pretende se apresentar como uma espécie de "conformismo com rosto humano". Regredimos ao pré-moderno", e isso é um "tombo dos grandes" que decorre da própria lógica da atual globalização -e não por causa do 11 de Setembro e de suas consequências, como Eagleton sugere. Na verdade, nota Sevcenko, mais a título de provocação, até porque as diferenças do crítico inglês com o pós-modernismo vêm de longe.
Já para o sociólogo Antônio Flávio Pierucci (USP) nada justifica um diagnóstico de fim do pós-moderno. E ele usa como prova o próprio 11 de Setembro: "Este não foi só um evento social, foi também um evento de mídia, um grande espetáculo". Quem estava de fora, vendo tudo pela TV, tinha, diz ele, "uma percepção duplicada: aquilo [o fato] e a imagem daquilo. Isso é pós-moderno". A campanha antiterror de Bush, nessa medida, revela não a revanche, mas a agonia de um estilo de política centralizador, que, perdida a hegemonia, apela à coerção violenta, num movimento ineficaz, porém, diante de inimigos que sintetizam o pós-moderno: os grupos terroristas são "sem centro", dispersos, nômades, voláteis.

Pierucci afirma que, na sociologia, o pós-modernismo teve e terá impacto duradouro e benéfico ao mostrar que as teses clássicas de Weber, Marx e Durkheim são narrativas historicamente situadas, e não verdades eternas. Segundo o sociólogo, tal relativização, que afetou sobretudo o marxismo, é paradoxalmente obra de intelectuais dessa origem teórica -como Jean-François Lyotard (1924-1998), autor de "A Condição Pós-Moderna-, que em suas trajetórias foram percebendo a insuficiência do "veteromarxismo" [por analogia a "veterotestamentário", isto é, relativo ao Velho Testamento bíblico] para dar conta de fenômenos como as lutas de feministas, negros e gays.

Esteja ou não em crise, necessite ou não de um "Novo Testamento", o pensamento de Marx legou a descoberta de um traço central da sociedade capitalista que não só vai bem (ou mal, dependendo do ponto de vista), obrigado, como revela a falácia que sempre foi o pós-modernismo: esse achado não é senão o fato bruto da dominação do capital. Pelo menos, é isso que se conclui das observações do filósofo José Arthur Giannotti: "Nunca acreditei na desconstrução da modernidade proposta por Lyotard. Isso porque, além da dispersão dos discursos e das práticas, sempre vi operando a dominação do capital, a despeito de suas múltiplas faces".
Do mesmo modo, "a confirmação de um novo império, baseado, penso eu, no monopólio da invenção da ciência e da tecnologia, repõe noutros termos a unidade de uma dominação global. Isso não significa obviamente a instalação de uma "pax americana", pois mesmo a "pax romana" implicava guerras na periferia. Não é o que acontece hoje? Com a diferença de que, sendo o mundo contemporâneo travado por uma teia de objetos naturais conformados pela ciência, isto é, travado como segunda natureza, o inimigo exterior se infiltra nos poros do sistema, como aquele que é capaz de conduzir a natureza artificial à natureza bruta". Prosseguindo seus questionamentos, Giannotti diz: "O inimigo, infiltrando-se por todos os lados, não aparece como o Mal radical? Mas não é ele antes de tudo a contrapartida perversa de uma modernidade cuja perversidade está na sua exclusão?".

O conceito de pós-modernidade se firmou primeiramente no âmbito da arquitetura, como contestação a traços apontados como típicos do modernismo e criticados por nomes como Robert Venturi e Charles Jencks: abstração, funcionalidade, cosmopolitismo alheio às necessidades locais, menosprezo elitista às formas populares.

Um dos principais nomes da arquitetura brasileira, Paulo Mendes da Rocha é porém enfático na defesa do que, com Habermas, ele chama de o "inacabado" projeto modernista. Referindo-se aos rótulos de "pós" alguma coisa, ele diz: "Não gosto desses soterramentos. Não somos "pós'-coisa nenhuma. Nós somos sempre a totalidade da experiência da presença humana". Não é justo, diz, acusar a arquitetura moderna, em geral, como causa da atual degradação dos espaços urbanos de grandes cidades. "São artefatos isolados, edifícios fantasmagóricos que causam transtorno, e isso pela forma como são implantados em cidades como São Paulo, mais do que por suas características "modernas"."

Arauto da pós-modernidade em filosofia, Lyotard e a sua caracterização do iluminismo, marxismo e psicanálise como "metanarrativas" decadentes são de uma riqueza teórica a que Terry Eagleton não faz justiça em seu novo livro. Isso é o que afirma o escritor e crítico Silviano Santiago. É verdade, diz Santiago, que a guerra ao terror tem sido eixo de uma nova "grande narrativa no capitalismo tardio", aliás, acrescenta, bastante "reacionária", e que se desdobraria hoje em questões como as exigências e imposições dos EUA em relação à Alca [Área de Livre Comércio das Américas].

No entanto "é inválido o uso dessa grande narrativa para derrubar o conceito inaugurado por Jean-François Lyotard em "A Condição Pós-Moderna". Parece-me uma apropriação vilã ou pelo menos safada do tema da exaustão das grandes narrativas como "condição" para a pós-modernidade. As grandes narrativas da modernidade, segundo Lyotard, propunham transformações no real pela utopia revolucionária. Ele questionava menos o valor teórico intrínseco da grande narrativa (não fosse ele um filósofo de formação clássica) e mais o caráter utópico e universalizante que a informava. Trata-se de livro que fez e faz dobradinha, por exemplo, com "Orientalismo" [Cia das Letras], de Edward Said".

Mas Santiago deixa claro que o retorno das grandes narrativas -e, pois, uma mudança de fundo no que se entendeu até aqui por pós-moderno- é real e não se limita ao caso de Bush: "Caso se queira falar de uma situação global que muda e que, pela força dos fatos, reintroduz grandes narrativas libertárias na cena filosófica atual, seria mais justo (para com Lyotard) apontar três: as do republicanismo, da democracia e dos direitos humanos. Provar que são as três ideológicas (no sentido marxista-leninista do termo) seria uma tarefa intelectual mais atual e rentável para pensadores do peso de Eagleton. E para nós".

O crítico Italo Moriconi relembra justamente um curso dado por Santiago na Pontifícia Universidade Católica (RJ), em 1987, como sendo a ocasião em que se afeiçoou às possibilidades teóricas e políticas do "pós-moderno", ao menos em uma das acepções desse conceito: no caso, o "pós-modernismo impertinente, provocador". A esse tipo, ele contrapõe o "pós-modernismo neoconservador" que cresceu à custa dos "golpes e ilusionismos que levaram Bush -e agora Schwarzenegger - ao poder".

Moriconi considera plenamente atual a formulação de Lyotard do pós-moderno como "uma condição universal do saber num dado momento histórico, realçando o caráter pragmático, político, fragmentário, globalizado e coletivizado da produção de conhecimento, assim como sua moldura "agonística" (não propriamente dialética) e retórica. Nesse sentido específico, não consigo ver em que a análise de Lyotard estaria ultrapassada. Ao contrário, me parece que as instituições de conhecimento evoluíram globalmente cada vez mais no sentido do cenário que Lyotard esboçou". Ele cita a emergência de um "novo historicismo", inspirado em Foucault e Nietzsche, e aponta a onda culturalista contemporânea como uma repercussão do debate pós-moderno.

Uma das disciplinas acadêmicas mais afetadas pela "onda" pós-moderna foi a antropologia, num casamento que inclusive já frutificou em clássicos como o "Xamanismo, Colonialismo e o Homem Selvagem" (ed. Paz e Terra), de Michael Taussig. Para Vagner Gonçalves, professor de antropologia da USP, o pós-moderno, nessa disciplina, significou uma "revisão dos critérios do fazer etnográfico". Pierucci admite que os temas da sociologia no presente são hoje forçosamente "pós-modernos", mas ela mesma não o é, devido à vocação a grandes sínteses conceituais; Gonçalves, ao contrário, observa que a antropologia pós-moderna ou reflexiva é "experimental" na estruturação tanto da pesquisa quanto do texto, ao quebrar o script tradicional em que o etnólogo, autoridade absoluta do saber, ia ao seu "objeto", o decifrava e voltava para contar "como ele é" aos seus pares acadêmicos.

Gonçalves diz que o pós-moderno "foi uma onda que já passou" nas universidades americanas em que mais fez sucesso. Mas, afirma, ele deixará outro fruto permanente: o alerta para o caráter dialógico do conhecimento e para a necessidade de não esconder o conflito entre as "versões" do pesquisador e dos nativos, os quais têm cada vez mais "voz própria". Prova disso é o recente constrangimento do importante antropólogo Marshall Sahlins, acusado pelo colega cingalês Gananath Obeyesekere de cometer uma série de equívocos e distorções e de "perpetuar o mito europeu da irracionalidade indígena" ao tratar da morte e deificação do explorador James Cook no Havaí, em 1779. Gonçalves arremata: "Nunca pusemos essa questão [da relatividade do saber etnológico] de modo tão explícito" antes da controversa e -talvez- já extinta onda pós-moderna.

--------------------------------------------------------------------------------

"Depois da Teoria" Ataca o Relativismo e o Desenraizamento, mas Tende a Ignorar Evidências Úteis

O Universal Concreto
David J. Taylor é crítico e escritor. É autor da biografia "Orwell - The Life" (ed. Henry Holt), publicada neste ano nos EUA e na Inglaterra.
para o "The Independent"

Bastou olhar para o parágrafo inicial de "Depois da Teoria", com sua elegia de nomes (Derrida, Lacan, Barthes, Foucault e "todos os outros") por uma "idade de ouro" passada, para me arremessar 20 anos atrás no tempo, a uma reunião no início dos anos 80 da Sociedade Literária da Universidade de Oxford. A ocasião foi a visita de um acadêmico chamado Colin MacCabe, autor de um estudo diabolicamente inteligente sobre James Joyce ao redor de cuja cabeça despretensiosa pairavam nuvens de escândalo.
O King's College de Cambridge tinha acabado de recusar a renovação de algum cargo que ele detinha, e a decisão foi entendida como uma suspeita quanto à argúcia do dr. MacCabe sobre os últimos pronunciamentos críticos de Paris e Yale.

As batalhas de quarto comumente travadas nos campi entre os padrões da "teoria" diminuíram um pouco em escala desde então, mas duas décadas atrás eram capazes de rachar ao meio o corpo docente universitário inglês. Derrida estava em toda parte, e Eagleton, naquela altura o mais incendiário professor de inglês em Oxford, estava claramente decidido a entrar com força na ação. Até onde posso me lembrar, ele apresentou MacCabe com as palavras "este homem passou por momentos difíceis. Ele precisa de seu apoio".
Infelizmente, o dr. MacCabe passou uma hora desconstruindo inocuamente alguns trechos muito obscuros de Shakespeare: seus ouvintes saíram com a vaga sensação de terem inadvertidamente perdido uma oportunidade cultural.
Na época podíamos entender por que Eagleton, embora fosse (e ainda é) marxista, estava tão ávido para se ligar a esse tipo de suposta dissidência, e o podemos entender ainda mais claramente à luz um tanto difusa de "Depois da Teoria". Em termos gerais, desde 1980 o "projeto" marxista vinha enfrentando problemas. Nem os regimes que ainda alegavam professá-lo nem os marxistas locais que o usavam para justificar seus fracassos políticos estavam lhe prestando favores.
Economicamente, parecia uma aposta ainda pior que o monetarismo, que entrava titubeante na moda; culturalmente, falava de roupas desalinhadas e de uma linguagem crítica ainda mais confusa. Esses sinais de radicalismo vinham quase totalmente da academia, e ela assumia seu enfoque mais combativo no recém-criado reino da "teoria cultural", o que Eagleton corretamente caracteriza como "uma continuação da política por outros meios".

Caso de amor fracassado

Um grupo de filósofos-artistas (na maioria) franceses que não acreditavam em "significado", mas numa multiplicidade de interpretações, que se deleitavam em exposições de hierarquia e gênero, que visavam a reduzir um texto a uma espécie de pó fino de pressupostos político-sexuais -tudo isso era instigante para um homem que havia chegado à dura conclusão de que o capitalismo estava esgotado e à conclusão -talvez mais dura- de que dificilmente algum capitalista, e praticamente qualquer pessoa vivendo sob o capitalismo, havia percebido isso. "Depois da Teoria", portanto, é o registro de um caso de amor fracassado de um ideólogo (um ideólogo espirituoso e apaixonado, deve-se dizer) que imaginou que a "teoria" pudesse reacender a chama do marxismo contemporâneo, mas que percebe que este último ficou muito para trás na maré pós-moderna. Eagleton começa o que pode ser descrito como uma polêmica imparcial, comentando algumas ironias sobre o animal conhecido como "pós-modernismo". Uma delas é que o pós-modernismo, com sua desconfiança das normas públicas, valores, hierarquias e padrões, parece suspeitamente uma das versões mais rigorosas do liberalismo econômico: "Só que os neoliberais admitem que recusam tudo isso em nome do mercado". Outra é que a "universalidade" que a maioria dos teóricos contemporâneos tenta adotar -o mundo visto como um enorme hipermercado monocultural- é contestada pelos fatos concretos.
Estranhamente, os habitantes da maior parte da antiga União Soviética querem ter seus próprios selos postais assim como a possibilidade de beber Coca-Cola: em um mundo que supostamente fica menor a cada momento, o número de cadeiras na mesa da ONU aumenta misteriosamente. As cerca de 200 páginas em que a "teoria" finalmente fica sabendo como deixou de cumprir as fervorosas expectativas de Eagleton são irradiadas pela tradicional impetuosidade de Eagleton, uma quantidade razoável de pleonasmos (em que a mesma discussão fixa é emoldurada por meia dúzia de ilustrações semelhantes) e -outra antiga marca de Eagleton- a tendência a ignorar evidências úteis, caso elas atrapalhem ou obscureçam alguma das oposições resmungantes em que a polêmica cultural adora insistir.

Moralismo católico

Apesar de todo o desprezo de Eagleton pelo cavalheiro beletrista na biblioteca, houve muitas pessoas, pré-Barthes, que participaram das "leituras íntimas": a primeira desconstrução da prosa de Dickens, no contexto de sua carreira precoce de jornalista, foi realizada ainda em 1865 por R.H. Hutton.
Depois disso -da dissecação em sua maior parte revigorante- surge o espetáculo de um moralista católico elegante e um tanto antiquado, resmungando contra o desenraizamento ("a criatura que surge do pensamento pós-moderno é descentrada, hedonista, auto-inventiva, incessantemente adaptável" etc.) e o relativismo pós-modernos ("qualquer pessoa que genuinamente acreditasse que nada era mais importante do que qualquer outra coisa... não seria exatamente o que reconhecemos como pessoa"), algo que atinge seus vôos mais altos, estranhamente, em alguns fragmentos de crítica bíblica -ver, por exemplo, seus comentários sobre o "Livro de Isaías".
Não surpreende que a arma a que ele afinal recorre seja a boa e velha "intuição", algo cuja existência o teórico médio provavelmente preferiria negar totalmente. Minha própria intuição me convence de que a comuna neomarxista que Eagleton parece propor como antídoto aos males do mundo seria praticamente tão temível quanto o modelo do hipermercado internacional.
Mas a enorme conquista de "Depois da Teoria" é mostrar exatamente quão formidável pode ser a presença do crítico cultural marxista, mesmo aqui no universo povoado e desanimador de Bush, Blair, a dissidência de Derrida e o célebre Jean Baudrillard, que fingiu duvidar de que a Guerra do Golfo tenha existido.

--------------------------------------------------------------------------------

Premissa do Modernismo e da Subjetividade, o Tempo Cedeu a Vez à Experiência Pós-moderna da Fotografia, das Cidades e da Globalização

O Espaço, a Fronteira Final

Fredric Jameson, professor de literaturas francesa e comparada na Universidade Duke (EUA). É autor de, entre outros livros, "Pós-Modernismo" e "O Inconsciente Político"

O que virá depois do fim da história? Não sendo previsto nenhum reinício, só pode acontecer o fim de outra coisa. Mas o modernismo já terminou algum tempo atrás e, com ele, presume-se, o próprio tempo, já que foi largamente especulado que o espaço tomaria o lugar do tempo no esquema ontológico geral das coisas. No mínimo, o tempo se tornara uma não-pessoa, e as pessoas deixaram de escrever sobre ele.
Os romancistas e poetas desistiram da empreitada, partindo da premissa inteiramente plausível de que o tema já tinha sido largamente coberto por Proust, Mann, Virginia Woolf e T.S. Eliot e oferecia poucas chances adicionais de avanço literário. Os filósofos também o abandonaram, baseados no argumento de que, embora Bergson continuasse a ser letra morta, Heidegger ainda publicava um volume póstumo por ano sobre o assunto. Quanto à montanha de literatura secundária em ambas as disciplinas, voltar a escalá-la parecia uma coisa bastante antiquada a fazer com a vida. ""Was aber war die Zeit?" O que é o tempo? Um segredo, insubstancial e onipresente. Um pré-requisito do mundo externo, um movimento entremeado e fundido com corpos que existem e se movem no espaço. Mas será que não haveria tempo se não houvesse movimento? Não haveria movimento se não houvesse tempo? Que pergunta! O tempo é uma função do espaço? Ou vice-versa? Ou os dois são idênticos? Pergunta ainda maior! O tempo é ativo por natureza -é como um verbo, à medida que tanto "amadurece" quanto "traz à tona". E o que ele traz à tona? A transformação. O agora não é o então, o aqui não é o lá -pois, em ambos os casos, há um movimento separando as duas coisas.

Ascensão da arquitetura

Mas, como medimos o tempo por um movimento circular fechado em si mesmo, poderíamos igualmente bem dizer que seu movimento e sua transformação são o descanso e a estagnação, pois o então se repete constantemente no agora, o lá, no aqui... Hans Castorp [protagonista do romance "A Montanha Mágica", de Thomas Mann] refletia continuamente sobre questões como essa.
Seja como for, nem a fenomenologia nem Thomas Mann ofereceram pontos de partida promissores para qualquer coisa que pudesse incendiar a imaginação. O que o fazia, porém, sem dúvida alguma, era a alternativa espacial. As estatísticas relativas ao volume de livros sobre o espaço são tão alarmantes quanto o índice de natalidade de seu inimigo hereditário.
A ascensão da cotação intelectual da arquitetura acompanhou a queda das "belles lettres" como uma sombra cada vez mais comprida; a inauguração de qualquer prédio assinado por um arquiteto conhecido atraía mais visitantes e mais atenção da mídia do que o lançamento de uma tradução do mais recente ganhador desconhecido do Prêmio Nobel. Eu gostaria de assistir a uma partida entre Seamus Heaney e Frank O. Gehry, mas pelo menos é certo que os museus pós-modernos ganharam popularidade no mínimo igual à dos novos estádios esportivos, igualmente pós-modernos, e que ninguém mais lê os ensaios de Valéry, que falava do espaço lindamente, desde um ponto de vista temporal, mas em sentenças longas. Assim, a máxima segundo a qual o tempo era a dominante do moderno (ou do modernismo) e, o espaço, do pós-moderno significa algo ao mesmo tempo temático e empírico: o que fazemos, de acordo com os jornais e as estatísticas da Amazon e como chamamos aquilo que estamos fazendo. Não vejo como podemos deixar de identificar aqui uma transformação marcadora de época, e essa transformação afeta os investimentos (galerias de artes, encomendas de edifícios) tanto quanto afeta as coisas mais etéreas às quais também se dá o nome de valores. Ela pode ser constatada, por exemplo, naquilo que aconteceu com o que costumava ser chamado de "système des beaux arts" ou a hierarquia do ideal estético. No contexto mais antigo (modernista), o ápice era ocupado pela poesia ou a linguagem poética, cuja "pureza" e autonomia estética davam um exemplo a ser seguido pelas outras artes e inspiraram a paradigmática teorização da pintura feita por Clement Greenberg. O "sistema" do pós-moderno (que afirma não possuir sistema) não é codificado e é mais difícil de detectar, mas desconfio de que ele culmina na experiência do espaço da própria cidade -a cidade renovada e pós-urbana, aburguesada, as novas multidões e massas das novas ruas- e também na experiência de uma música que foi espacializada por seus contextos de apresentação e também por seus sistemas de distribuição: as caixas de som e os walkmans que transformam o consumo do som musical numa produção e apropriação do espaço sonoro enquanto tal.

Segredos de um e outro

Quanto à imagem, sua função como matéria-prima onipresente de nosso ecossistema cultural exigiria a análise da promoção da fotografia -de agora em diante chamada de fotografia pós-moderna- de parente pobre da pintura em tela para uma nova e importante forma de arte nesse novo sistema. Mas tais descrições são claramente predicadas sobre o dualismo operativo, a alegada existência histórica das duas alternativas. Os modernos eram obcecados pelo segredo do tempo, os pós-modernos, pelo segredo do espaço, sendo o "segredo", sem dúvida, aquilo que André Malraux descrevia como o "absoluto".
Podemos observar uma derrapagem curiosa nessas pesquisas, mesmo quando a filosofia coloca suas mãos sobre elas. Elas começam por pensar que querem saber o que é o tempo e terminam procurando, mais modestamente, descrevê-lo por meio do que Whitman chamou de "experimentos de linguagem" nos diversos meios de comunicação. Assim, temos "versões" do tempo apresentadas por autores e outros que variam de Gertrude Stein a Husserl, de Mahler a Le Corbusier (que enxergava suas estruturas estáticas como "trajetórias").
Não podemos afirmar que nenhuma dessas tentativas seja menos equivocada do que os fracassos mais óbvios do cubismo analítico ou da "estética relativa" de Siegfried Giedeon. Talvez tudo que precisamos dizer esteja contido no epitáfio lacônico feito por Derrida sobre a filosofia aristotélica da temporalidade: "Em certo sentido, sempre é tarde demais para falar do tempo".
Será que podemos fazer melhor com o espaço? O que está em jogo é diferente, é claro; o tempo rege o reino da interioridade, no qual se encontram tanto a subjetividade quanto a lógica, o privado e o epistemológico, a autoconsciência e o desejo. O espaço, como reino da exterioridade, inclui as cidades e a globalização, mas também as outras pessoas e a natureza. Não é tão evidente que a linguagem sempre caia sob a égide do tempo (damos nomes aos objetos do reino espacial, por exemplo), e, quanto à visão, a luz interior e o reflexo tanto literal quanto figurativo constituem categorias de introspeção conhecidas. De fato, por que separar as duas?

*Publicado em A Folha de São Paulo em 02/11/2003.


Español      

 

   
  La Fracción Trotskista está conformada por el PTS (Partido de Trabajadores por el Socialismo) de Argentina, la LTS (Liga de Trabajadores por el Socialismo) de México, la LOR-CI (Liga Obrera Revolucionaria por la Cuarta Internacional) de Bolivia, LER-QI (Liga Estrategia Revolucionaria) de Brasil, Clase contra Clase de Chile y FT Europa. Para contactarse con nosotros, hágalo al siguiente e-mail: ft@ft.org.ar